Para lá da guerra na Ucrânia — Vocabulário para o desastre.  Por Scott Ritter

Seleção e tradução de Francisco Tavares

16 min de leitura

Vocabulário para o desastre

 Por Scott Ritter

Publicado por  em 19 de dezembro de 2022 (original aqui)

 

Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev assinam o Tratado INF na Sala Leste da Casa Branca em 1987. (Domínio Público/Wikimedia Commons)

 

A Rússia procura acordos de controlo de armas para evitar uma escalada perigosa. Mas os EUA procuram apenas uma vantagem unilateral. A menos que isto mude, corre-se o risco de um conflito total.

O dia 8 de Dezembro marcou o 35º aniversário da assinatura do tratado das forças nucleares intermédias (INF). Este acontecimento histórico de controlo de armas foi o resultado de anos de árduas negociações, culminadas pela coragem política do Presidente dos EUA Ronald Reagan e do Secretário-Geral soviético Mikhail Gorbachev, que juntos assinaram o tratado e supervisionaram a sua ratificação pelas respectivos parlamentos.

Os primeiros inspectores começaram a trabalhar em 1 de Julho de 1988. Tive a sorte de me contar entre eles.

Em Agosto de 2019, o antigo Presidente Donald Trump retirou os EUA do tratado INF; a Rússia seguiu-o pouco depois, e este acordo fundacional de controlo de armas deixou de existir.

 

O Declínio do Controlo de Armas

O fim do tratado INF é parte integrante de uma tendência geral que tem visto como o controlo de armas como instituição – e como conceito – tem decaído aos olhos dos decisores políticos tanto em Washington como em Moscovo. Este ponto ficou patente durante os dois dias em que celebrei o aniversário do INF com profissionais veteranos do controlo de armamento tanto dos EUA como da Rússia.

Estes peritos, provenientes das fileiras do corpo diplomático que negociou o tratado, o pessoal militar e civil que implementou o tratado, outros de todos os quadrantes que estiveram relacionados com o tratado de uma forma ou de outra, todos tinham algo a dizer sobre o estado actual do controlo de armas EUA-Rússia.

Uma coisa que me chamou a atenção foi a importância da linguagem na definição das expectativas de controlo de armas entre os diferentes actores. As palavras têm significado, e um dos aspectos críticos de qualquer negociação de controlo de armas é assegurar que o texto do tratado signifique a mesma coisa em ambas as línguas.

Quando o tratado INF foi negociado, os negociadores americanos e soviéticos tiveram o benefício de décadas de história de negociação relativamente ao tratado anti-mísseis balísticos (ABM), as conversações estratégicas de limitação de armas (SALT), e START, a partir das quais foi criado um léxico comum de terminologia acordada sobre o controlo de armas.

Ao longo dos anos, este léxico ajudou a racionalizar tanto a negociação como a implementação de vários acordos de controlo de armas, assegurando que todos estavam de acordo quando se tratava de definir aquilo com que se comprometiam.

Hoje, porém, depois de ter ouvido estes profissionais veteranos do controlo de armas, ficou claro para mim que já não existia um léxico comum de terminologia de controlo de armas – palavras que outrora tinham uma definição partilhada significavam agora coisas diferentes para pessoas diferentes, e esta lacuna de definição podia – e de facto iria – tornar-se ainda mais evidente à medida que cada parte prosseguia a sua respectiva visão de controlo de armas desprovida de qualquer contacto significativo com a outra parte.

 

O vocabulário dos Estados Unidos

 

Edifício de controlo do local de mísseis no complexo de salvaguardas Stanley R. Mickelsen, Dakota do Norte, 1992. Ao abrigo do Tratado ABM, os EUA foram autorizados a implantar um único sistema ABM protegendo uma área contendo lançadores ICBM. (Serviço Nacional de Parques / Wikimedia Commons)

 

Desarmamento. Aparentemente, desarmamento não significa o que em tempos significou nos EUA – a eliminação efectiva e verificável das armas e capacidades designadas. De facto, o desarmamento e o seu corolário, a redução, já não estão na moda entre a comunidade de controlo de armas dos Estados Unidos. Em vez disso, existe um processo de controlo de armas concebido para promover o interesse da segurança nacional. E por controlo de armas, entendemos o aumento do armamento.

A América, ao que parece, já não está no negócio da redução do armamento. Acabámos com os tratados ABM e INF e, como resultado, estamos a implementar uma nova geração de sistemas de defesa contra mísseis balísticos e armas de médio alcance. Embora isto seja suficientemente desconcertante, a verdadeira ameaça vem se e quando o único acordo de controlo de armas que resta entre os EUA e a Rússia – o tratado New START – expirar em Fevereiro de 2026.

Se não for negociado um tratado de substituição de capacidade semelhante, ratificado e pronto para implementação nessa altura, então a noção de controlo estratégico de armas será completamente desvinculada de qualquer mecanismo de controlo. Os EUA seriam então livres de modernizar e expandir o seu arsenal estratégico de armas nucleares. O desarmamento, ao que parece, significa exactamente o contrário – rearmamento. George Orwell estaria orgulhoso.

O processo de mediação entre agências. Quando o tratado INF foi negociado e implementado, os Estados Unidos contavam com um único ponto de contacto para questões de controlo de armas – a Agência de Controlo de Armas e Desarmamento, ou ACDA. Criada pelo Presidente John F. Kennedy no início da década de 1960, a ACDA forneceu as bases para a continuidade e consistência da política de controlo de armas dos EUA, mesmo quando a Casa Branca mudou de mãos.

Embora houvesse numerosos intervenientes burocráticos envolvidos na formulação e execução da política de controlo de armamento dos EUA, a ACDA ajudou a controlar as suas visões muitas vezes concorrentes graças ao chamado processo inter-agências – um sistema de coordenação de grupos e comités que levou os vários intervenientes à volta de uma mesa a elaborar uma visão unificada para o desarmamento e controlo de armamento. A inter-agência era, contudo, um processo, não uma entidade autónoma.

Como os tempos mudaram. Hoje, a ACDA desapareceu. No seu lugar está o que é designado como A Interagência. Mais do que um simples processo, a Interagência transformou-se numa entidade autónoma de tomada de decisões políticas que mais do que simplesmente o poder combinado dos componentes que a constituem, é uma realidade que domina a tomada de decisões políticas de controlo de armas.

A Interagência deixou de ser um processo concebido para racionalizar a elaboração de políticas e transformou-se numa entidade singular, cuja missão é resistir à mudança e preservar as estruturas de poder existentes.

Enquanto anteriormente os vários departamentos e agências que compõem o empreendimento de segurança nacional dos EUA podiam delinear e moldar o processo interagências de uma forma que facilitasse a formulação e implementação de políticas, hoje a Interagência serve como um travão permanente ao progresso, um mecanismo em que novas iniciativas políticas desaparecem, para nunca mais serem vistas.

Propósito único. O Propósito Único é um conceito doutrinário que defende que o único objetivo do arsenal nuclear estado-unidense é a dissuasão, e que as armas nucleares estado-unidenses existem tão somente para responder a qualquer ataque nuclear contra os Estados Unidos de tal forma que seria garantida a eliminação efectiva da nação ou nações que atacassem os Estados Unidos.

O Propósito Único estava vinculado à noção de destruição mútua assegurada, ou MAD [mutually assured destruction]. O propósito único/MAD foi a filosofia fundamental das sucessivas administrações presidenciais americanas. No entanto, em 2002, a administração do presidente George W. Bush acabou com a doutrina do Propósito Único e adotou em vez disso uma postura nuclear que sustentava que os Estados Unidos poderiam utilizar armas nucleares de forma preventiva, mesmo em certos cenários não nucleares.

Barack Obama, ao chegar à presidência, prometeu acabar com a política nuclear de utilização preventiva da era Bush mas, quando terminou o seu mandato de oito anos como comandante em chefe estado-unidense, esta política continuou vigente. O sucessor de Obama, Donald Trump, não só manteve a política nuclear de utilização preventiva, como a expandiu para criar ainda mais possibilidades de uso das armas nucleares americanas.

Joe Biden, o actual inquilino da Casa Branca, fez campanha com a promessa de devolver o Propósito Único à sua intenção original. Todavia, ao assumir o cargo, aa política de Propósito Único de Biden chocou de frente com A Interagência que, segundo alguém a par da situação, não estava preparada para semelhante mudança.

Em vez disso, o propósito único foi reposto na medida em que agora reflecte uma postura política de utilização nuclear preventiva. Sim, você leu bem – graças à Interagência, o único objectivo das armas nucleares americanas hoje em dia é estar preparado para realizar ataques preventivos contra ameaças que se aproximem ou sejam iminentes. Isto, segundo pensa a Interagência, representa o melhor modelo de dissuasão disponível para promover o bem-estar geral e o bem maior do povo americano.

 

O vocabulário da Rússia

 

                        O Kremlin (A.Savin, WikiCommons)

 

Reciprocidade. Reciprocidade é a Regra de Ouro do controlo de armas – faça aos outros como gostaria que outros lhe fizessem a si. Era o coração e a base do tratado INF – o que era bom para uma pessoa era sempre bom para qualquer outra pessoa. Em suma, se os americanos maltratassem os inspectores soviéticos, poder-se-ia garantir que, dentro de pouco, os inspectores americanos seriam confrontados com os mesmos maus-tratos.

Reciprocidade foi o conceito que impediu que o tratado se atolasse em assuntos mesquinhos e permitiu que o tratado alcançasse os enormes sucessos de que desfrutou.

Nos termos do tratado New START, cada parte é autorizada a realizar até 18 inspecções por ano. Antes de serem suspensas em 2020 por causa da pandemia, um total de 328 inspecções tinham sido realizadas por ambas as partes com as regras de reciprocidade firmemente estabelecidas e cumpridas.

No entanto, no início de 2021, quando ambas as partes concordaram que as inspecções poderiam ser retomadas, os EUA manifestaram a realidade de que o conceito de reciprocidade era pouco mais do que um estratagema de propaganda para fazer a Rússia sentir-se “igual” aos olhos do tratado.

Quando os russos tentaram realizar uma inspecção em Julho, a aeronave que transportava a equipa de inspecção foi impedida de voar através do espaço aéreo dos países europeus devido a sanções que proibiam os voos comerciais de e para a Rússia, na sequência da invasão russa da Ucrânia. Os russos cancelaram a inspecção.

Mais tarde, em Agosto, os Estados Unidos tentaram enviar a sua própria equipa de inspecção para a Rússia. Os russos, contudo, negaram à equipa a permissão de entrada, citando questões de reciprocidade – se os inspectores russos não podiam realizar as suas tarefas de inspecção, aos EUA seria, do mesmo modo, negada permissão para as fazerem.

Para a Rússia, a definição de reciprocidade é bastante clara – igualdade de tratamento nos termos de um tratado. Para os EUA, contudo, a reciprocidade é apenas mais um conceito que pode utilizar para moldar e sustentar as vantagens unilaterais que tem acumulado ao longo dos anos quando se trata de implementar o tratado New Start.

Para a Rússia, a definição de reciprocidade é bastante clara – igualdade de tratamento nos termos de um tratado. Para os EUA, contudo, a reciprocidade é apenas mais um conceito que pode utilizar para moldar e sustentar as vantagens unilaterais que tem acumulado ao longo dos anos quando se trata de implementar o tratado New Start.

Previsibilidade. Historicamente, o principal objectivo dos acordos de controlo de armas era alcançar um entendimento comum dos objectivos mútuos e dos meios para os alcançar, de modo a que, ao longo do prazo acordado, existisse um elemento de estabilidade derivado da previsibilidade do acordo.

Isto, naturalmente, exigia um acordo sobre definições e intenções acompanhado de uma compreensão mútua dos quatro cantos do acordo, especialmente sobre assuntos quantificáveis, tais como itens limitados pelo tratado.

Nos termos do tratado INF, as metas e objectivos para ambas as partes eram de natureza absoluta: eliminação total das armas envolvidas que existiam numa classe abrangida pelo tratado. Não se podia ser muito mais claro e, em meados de 1991, todas as armas abrangidas pelo tratado tinham sido destruídas tanto pelos Estados Unidos como pela União Soviética.

As inspecções subsequentes concentraram-se em assegurar que ambas as partes continuassem a cumprir a sua obrigação de destruir permanentemente os sistemas de armamento designados para eliminação e de não produzir ou utilizar novos sistemas de armamento cujas capacidades seriam proibidas pelos termos do tratado.

No âmbito de New START, as metas e objectivos são muito mais nebulosos. Tomemos como exemplo a questão do desmantelamento de bombardeiros com capacidade nuclear e de tubos de lançamento de mísseis balísticos submarinos. O objectivo é chegar a um número preciso que respeite a letra e o espírito do tratado.

Mas os EUA comprometeram-se a desmantelar os tubos de lançamento de mísseis B-52H e Trident a bordo de submarinos da classe Ohio de uma forma que permite a sua reversão, o que significa que os limites rígidos previstos pelo tratado, e em torno dos quais derivam o planeamento e postura estratégica, não são absolutos, mas flexíveis.

Um míssil balístico UGM-133A Trident II é lançado a partir do submarino de mísseis balísticos USS West Virginia da Marinha dos EUA, classe Ohio, em 2014. (Marinha dos EUA)

 

Como tal, os planeadores estratégicos russos devem não só planear um mundo onde os limites impostos pelo tratado estejam em vigor, mas também a possibilidade de um cenário de “ruptura” por parte dos EUA, onde os bombardeiros B-52H e os tubos de lançamento de mísseis Trident voltem a estar operacionais.

Este cenário é literalmente a definição clássica de imprevisibilidade e é por isso que a Rússia olha com apreensão para a ideia de negociar um novo tratado de controlo de armas com os EUA. Enquanto os EUA favorecerem uma linguagem de tratado que produza tal imprevisibilidade, é mais do que provável que a Rússia opte pela não participação. Enquanto os EUA favorecerem uma linguagem de tratado que produza tal imprevisibilidade, é mais do que provável que a Rússia opte por não participar.

Responsabilidade. Um dos refrões mais citados que emergiu do tratado INF é “confiar mas verificar”. Este aforismo ajudou a orientar esse tratado através do sucesso sem precedentes do seu período de 13 anos de inspecções mandatadas (de 1988 até 2001). Contudo, uma vez terminadas as inspecções, o aspecto “verificar” do tratado tornou-se mais nebuloso por natureza, abrindo a porta para a erosão da confiança entre os EUA e a Rússia.

Um aspecto chave de qualquer acordo de controlo de armas é a sua contínua relevância para as posturas de segurança nacional das nações participantes. Ao mesmo tempo que as inspecções INF chegavam ao fim, a administração do Presidente George W. Bush retirou-se do histórico tratado de 1972 sobre mísseis anti-balísticos (ABM).

Ao fazê-lo, os Estados Unidos entraram numa trajectória onde os princípios que tinham estado na base do controlo das armas durante décadas – a desescalada das tensões nucleares através da adesão a princípios de desarmamento estabelecidos em acordos de reforço mútuo destinados a ser de natureza duradoura – já não são aplicados.

Ao desembaraçarem-se unilateralmente do tratado ABM, os EUA abriram a porta para a implantação de sistemas ABM na Europa. Dois sistemas de defesa antimísseis em terra Mk. 41 Aegis, normalmente implantados a bordo de cruzadores e contratorpedeiros com capacidade Aegis, foram, em vez disso, instalados em terra na Roménia e na Polónia. O problema do sistema Mk. 41 é que as cápsulas de lançamento são capazes de disparar quer o míssil SM-3 como interceptor, quer o míssil de cruzeiro lançado ao mar (Tomahawk).

A Rússia opôs-se à utilização do sistema Mk. 41 potencialmente ofensivo em terra, argumentando que, ao fazê-lo, os EUA estavam a violar o tratamento INF ao lançarem um míssil de cruzeiro a partir de terra.

Os EUA rejeitaram as alegações russas, declarando que a configuração de lançamento em terra da Aegis Aegis se destinava exclusivamente ao lançamento de mísseis terra-ar. No entanto, os EUA negaram-se a fornecer à Rússia o tipo de acesso que seria necessário para determinar os dados científicos reais por detrás da alegação dos EUA de que as baterias de mísseis foram configuradas para funcionar apenas em modo terra-ar.

Os EUA também alegaram que era impossível para o Mk. 41 incorporar o míssil de cruzeiro Tomahawk ou uma variante do SM-3 ou o Typhoon SM-6, que são mísseis de superfície a superfície ao alcance (que chegam até Moscovo) que violariam o tratado INF.

(A retirada destes mísseis da Polónia e da Roménia foi uma exigência que a Rússia fez no projecto de propostas de tratado com os EUA em Dezembro passado. Após os EUA a terem rejeitado, a Rússia interveio na Ucrânia).

Tal como tinha sido o caso do tratado ABM, os EUA tinham-se cansado das restrições impostas pelo tratado INF. Os planeadores militares norte-americanos estavam ansiosos por colocar em campo uma nova geração de armas INF [mísseis balísticos de alcance intermádio (IRBMs) e mísseis de cruzeiro lançados desde terra (GLCMs)] para contrariar o que consideravam ser a crescente ameaça da China, cujos arsenais de mísseis balísticos não estavam limitados pelo tratado.

Os tratados ABM e INF tinham-se tornado inconvenientes para os EUA não devido a quaisquer acções empreendidas pelos seus parceiros no tratado, os russos, mas sim devido a uma noção agressiva e expansiva de projecção de poder dos EUA, que punha em causa o objetivo dos tratados.

Os tratados de controlo de armas não se destinam a facilitar a expansão do poder militar, mas sim a restringi-la. Ao considerar as obrigações dos tratados como descartáveis, os EUA estavam a toda a filosofia por detrás do controlo de armas.

Além disso, as tácticas utilizadas pelos EUA para minar a credibilidade do tratado INF consistiam em fabricar um caso de alegadas violações russas construído em torno de “informações” sobre o desenvolvimento de um novo míssil de cruzeiro russo lançado de terra, o 9M729, que segundo os EUA demonstravam que o novo míssil estava a violar o tratado INF.

Que as informações não tenham sido partilhadas com os russos, corroeu ainda mais a sustentabilidade dos EUA como parceiro do tratado. Quando os russos ofereceram o actual míssil 9M729 para inspecção física a fim de convencer os EUA a permanecerem no tratado INF, os EUA opuseram-se, impedindo não só a participação dos funcionários americanos, mas também a de qualquer dos seus aliados da NATO.

No final, os Estados Unidos retiraram-se do tratado INF em Agosto de 2019. Menos de um mês depois, os EUA realizaram um ensaio de lançamento do míssil de cruzeiro Tomahawk a partir de um tubo de lançamento Mk. 41. Os russos tinham tido sempre razão – os EUA, ao abandonarem o tratado ABM, tinham utilizado a implantação dos chamados novos locais ABM como disfarce para a colocação de mísseis lançados do solo com capacidade INF às portas da Rússia.

E no entanto, os EUA não pagam qualquer preço – não são responsabilizados por tal duplicidade. O controlo de armas, outrora um bastião da integridade e honra nacional, ficou reduzido ao estatuto de charada pelas acções dos EUA.

 

Deixou de haver confiança

Sem uma linguagem comum, não pode haver uma visão comum, nenhum propósito comum. A Rússia continua a procurar acordos de controlo de armas que sirvam para restringir os arsenais das partes envolvidas, a fim de evitar acções de escalada perigosas, impondo ao mesmo tempo um mínimo de estabilidade previsível nas relações.

Os EUA procuram apenas uma vantagem unilateral.

Enquanto isto não for alterado, não pode haver interacção significativa de controlo de armas entre os EUA e a Rússia. Não só o Novo Tratado START expirará em Fevereiro de 2026, como também é improvável que a principal componente de verificação do tratado – inspecções no local – seja relançada entre agora e então.

Além disso, é impossível ver como um novo acordo de controlo de armas para substituir o Tratado New START expirado poderia ser negociado, ratificado e implementado no curto espaço de tempo que resta para o fazer. Não existe confiança entre a Rússia e os EUA no que diz respeito ao controlo de armas.

Sem tratados, não há verificação da realidade. Tanto os arsenais norte-americanos como os russos ficarão livres de restrições baseadas em tratados, levando a uma nova corrida ao armamento para a qual só pode haver uma linha de chegada – a guerra nuclear total.

Há uma longa lista de coisas que devem acontecer para que um controlo significativo do armamento possa alguma vez retomar o seu lugar nos arsenais diplomáticos, quer dos EUA quer da Rússia. Antes de qualquer um dos lados poder retomar o diálogo, no entanto, devem primeiro reaprender a linguagem comum do desarmamento.

Porque a actual semântica do controlo de armas é pouco mais do que um léxico para o desastre.

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O autor: Scott Ritter é um antigo oficial de inteligência do Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA que serviu na antiga União Soviética implementando tratados de controlo de armas, no Golfo Pérsico durante a Operação Tempestade no Deserto e no Iraque supervisionando o desarmamento das ADM. O seu livro mais recente é Disarmament in the Time of Perestroika, publicado pela Clarity Press.

 

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